Assisti, um dia destes, mais precisamente a 27 do corrente a uma reunião da Assembleia Municipal de Cascais. Foi uma estreia. E que estreia!! Senão vejamos.
A
dita Assembleia estava marcada para se iniciar às 20h30min. Na minha
ingenuidade, estava lá a horas. Tenho a “mania de ser pontual”, vá-se lá saber
porquê … Também lá estavam os eleitos pelo partido que apoiei, mas isso não
constituia para mim novidade. O que para mim foi novidade foi ver chegar, como
se para um qualquer evento lúdico, um cafezinho numa esplanada a ver o mar por
exemplo, a maioria dos membros da mesa e outras bancadas, calma e
paulatinamente, talvez um pouco mais apressados, que o frio se fazia sentir
cortante e desagradável, primeiro dez, depois vinte, mais trinta, quarenta minutos e pasme-se, cinquenta
minutos atrasados!! Se alguém passeasse o cãozinho por aquelas bandas àquela
hora nunca imaginaria que aquelas
“respeitosas pessoas” se dirigiam para uma reunião pública camarária!
Evidentemente
que, qualquer cidadão, consciente e impregnado do seu sentido cívico que, na
dita assembleia pretendesse usar do uso da palavra a que tem direito por lei,
teria de lá estar para fazer a inscrição para exercer esse seu direito,
aproximadamente meia hora antes, ou seja, por volta das 20h. Mas eventualmente
para esse cidadão, os nossos serviços públicos já lhe devem ter desenvolvido um
“calo” e portanto esperar pelos seus representantes camarários terá sido mais
uma experiência a contar futuramente aos netos, ainda que, convenhamos, nada
agradável.
Mas
entremos então nessa “catedral” do exercício do poder local e pasmemo-nos, mais
uma vez, com a visão perfeitamente surrealista do comportamento dos nossos
“políticos”, cidadãos responsáveis em que, mau grado a enorme abstenção
lamentável com que mais uma vez nos deparámos no último acto eleitoral,
depositámos as nossas esperanças e a confiança de que guiariam os destinos das
nossas comunidades. Por instantes pensei que tinha voltado à escola, em que
bandos de adolescentes, cujos comportamentos irreverentes e desculpáveis dadas
as suas tenras idades, se debatem furiosamente com telemóveis, i-pods ou outros
que tais, durante os trabalhos e, como se isso ainda não bastasse, mastigando
pastilha elástica de forma perfeitamente convicta e viciosa numa demonstração
da perfeita agilidade a que os seus músculos estão habituados. Talvez que nunca
ninguém lhes tivesse ensinado algumas regras da boa educação ou do respeito
pelos outros, ou porventura talvez ainda não se tenham visto em nenhuma
filmagem que daria, estou convicta, uma tragicomédia digna daqueles filmes
portugueses da década de cinquenta que tanto apreciamos. Lembrando-me daquele
ditado “quando se canta não se assobia”, intrigava-me saber e perceber como é
que aqueles senhores e senhoras poderiam acompanhar de forma consciente e
responsável as intervenções e os trabalhos que se iam desenrolando enquanto se
entregavam a tão insanas tarefas.
Fosse
este apenas o motivo da minha revolta e indignação perante tais comportamentos
e poderia hoje estar aqui a dizer que a minha noite tinha sido compensadora
porque certamente encontraria na falta de valores e de educação uma desculpa,
esfarrapada é certo, para aquilo que referi.
Mas
não, desenganemo-nos, a minha ingenuidade e a profunda crença de que a
democracia é feita por pessoas que se debatem de forma séria pela mesma, não me
tinha preparado para o que se seguiu. A versão pós-eleições dos “tesourinhos
deprimentes”. Só que, agora com consequências muito mais gravosas uma vez que
eles estão eleitos. Senão vejamos como decorreram os trabalhos:
Fosse
o orador um qualquer representante de um partido da “oposição”,
independentemente do assunto ou da moção que apresentasse, na bancada da “maioria
governativa” havia “liberdade” para tudo, desde o dormitar, levantar-se e ir à
rua, conversar com o parceiro do lado, por em dia o mail, consultar a net,
mandar sms, enfim, um sem número de actos dignos de registo. Suspeito que até
se devem ter contado algumas anedotas uma vez que ouvi gargalhadas e não quero
pensar que seriam motivadas pelas palavras que eram proferidas na altura por
autarcas do/s partido/s da oposição. Se bem que, houve algumas expressões que
me deixaram (mais uma vez a minha ingenuidade!) perplexa porque, me pareciam
quase de escárnio… Se eu fosse mais mordaz, quase que me atreveria a dizer que
estava perante uma total postura de falta de respeito e consideração pelo
orador da altura.
Curiosamente, quando o orador era um
representante da bancada da maioria, e portanto na governação, verificava-se
uma total transfiguração daqueles mesmos personagens que agora seguiam,
aparentemente com respeito e atenção, a palavra do/s seu/s companheiros
partidários.
Em
defesa dos menos representados, ou seja, da bancada da oposição, devo dizer
que, de facto cumpriram com honra as funções que lhe foram confiadas. Podem até
não conseguir reproduzir o que ouviram, tarefa hercúlea e portanto impossível,
mas demonstraram um sentido de democracia que me faz pensar que não devo
desistir.
Mas
não se pense que, por ser simpatizante de um partido da oposição, estou a ser
sectária, porque o público, vulgar cidadão ou freguês que na dita assembleia
entendeu ser seu dever participar e colocar questões na convicção de que teria
uma resposta ou que estaria a contribuir para ajudar na resolução dos problemas
que nos afectam a todos, saiu de lá, no mínimo, desiludido, já para não dizer
revoltado. Senão veja-se:
-
quando alguém referiu que na rua X as obras duram há 10 meses, a resposta foi:
não o senhor está enganado, na rua Y as obras não duram há 10 meses. Não só é
verdade, como é brilhante a reviravolta dada;
-
à sugestão de lugares de estacionamento cativos, com duração limitada em frente
à farmácia, a resposta foi, mais uma vez perfeitamente clara e esclarecedora: –
minha senhora a comissão que me aconselha alertou-me para o perigo de abrir
precedentes. Se a farmácia quer um lugar para si, a seguir todos os outros tipos
de comércio também exigem e onde vamos parar? Atrevo-me aqui a dizer que os
membros da referida comissão devem ter sido influenciados por aquela cena
brilhante de um filme português, mais tarde retratada num anúncio, em que um
casal pede um pastelinho. Pretender comparar o serviço prestado por uma
farmácia ao serviço prestado por uma papelaria, café, tasca, restaurante, banco
ou mini-mercado é demonstrativo, primeiro de uma saúde de ferro dos membros da
comissão e da pessoa que assessoram, segundo de uma enorme falta de
discernimento de todos e terceiro de uma falta de consideração e respeito pelas
pessoas que, porque se encontram doentes e fragilizadas, têm de ir à farmácia.
Que eu saiba, ainda não temos por hábito ocupar os nossos tempos livres e de ócio
em deslocações à farmácia…
-
à pergunta de porque é que o pavimento da rua de Cascais abateu, a resposta
ficou gravada, de forma perfeitamente clara e transparente na minha cabeça: “ a rua abateu porque houve
migração dos finos por desconhecimento da existência de uma ribeira subterrânea”.
Ora, para quem não sabe, os finos são as areias, até aqui nada de novo, e
portanto é normal e qualquer estudante de Geologia saberá que as partículas
serão tão mais facilmente arrastadas pela água e pelo vento quanto menor for o
seu calibre, vulgo tamanho. Portanto é de esperar que, havendo ribeiras
subterrâneas, alimentadas obviamente por cursos de água superficiais cujo
caudal aumenta na época das chuvas … elas arrastem as areias que encontrem no
seu caminho!!! E, sem areia a suportar o asfalto, o pavimento cedeu. Lógico!!
Ficou assim explicado o abatimento da estrada. Claro como a água!! O que me
deixou profundamente perplexa foram três coisas: que a companhia que fez as
obras não soubesse que havia ribeiras subterrâneas, só explicado pela falta de
um estudo feito por especialistas, leiam-se geólogos, aos terrenos antes das
obras, o que indicia, na minha modesta opinião, incompetência, aliás salientada
numa das moções apresentadas naquele dia e contra a qual o senhor presidente se
insurgiu de forma profundamente acesa, ainda que depois, sem o querer (e saber)
tenha acabado por confirmar … ; que neste tipo de obras não sejam obrigatórios
esses estudos prévios do terreno – a não ser que se considere que, por já
existir estrada, se pode esburacar para os lados ou em profundidade, retirar
rocha sã (pedras) sem qualquer problema porque se voltam a encher os buracos
com areia e cobrir com asfalto e por fim que a fiscalização nunca tenha dado
conta de que o solo que se escavava e retirava estaria “ligeiramente
humedecido”, a não ser que tivessem rebentado alguma conduta e, aí sim, estavam
desculpados e perceber-se-ia tudo.
Por
fim e para acabar, porque já me alonguei nesta minha dissertação, deixo-vos com
a cereja no topo do bolo: toda e qualquer moção apresentada à votação por um
partido da oposição era invariável e inevitavelmente rejeitada. Fácil de
perceber. A maioria detém 19 votos e a oposição 18. Contas fáceis e limpinhas,
19 é maior que 18!! O que se não percebe bem é isto e tenho esperança que
alguém me ajude a perceber:
- uma
“moção de melhoria” a uma “proposta do executivo camarário” é simplesmente
rejeitada apenas porque é apresentada pela oposição – 19 votos contra e tem
ainda direito a um comentário absolutamente transcendente “uma proposta de
melhoria não pode ser uma melhoria porque não foi apresentada pela maioria”. A
democracia no seu melhor!!
- uma proposta da oposição a
“pretender” faça-se cumprir a lei é também ela rejeitada. Pasme-se!!! Motivo??
Incompreensível para mim, será que não ouviram, não leram ou será outra coisa
qualquer que me escapa…
Considero que assistir a uma Assembleia Municipal é um ato de cidadania por que deveríamos todos passar a bem da democracia. Uma experiência inesquecível e marcante, um segundo renascimento em que, tenho a certeza, novos horizontes se abririam.