sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Olhar de uma ingénua apaixonada a uma reunião da Assembleia Municipal

por Elsa Sousa

Assisti, um dia destes, mais precisamente a 27 do corrente a uma reunião da Assembleia Municipal de Cascais. Foi uma estreia. E que estreia!! Senão vejamos.





A dita Assembleia estava marcada para se iniciar às 20h30min. Na minha ingenuidade, estava lá a horas. Tenho a “mania de ser pontual”, vá-se lá saber porquê … Também lá estavam os eleitos pelo partido que apoiei, mas isso não constituia para mim novidade. O que para mim foi novidade foi ver chegar, como se para um qualquer evento lúdico, um cafezinho numa esplanada a ver o mar por exemplo, a maioria dos membros da mesa e outras bancadas, calma e paulatinamente, talvez um pouco mais apressados, que o frio se fazia sentir cortante e desagradável, primeiro dez, depois vinte, mais trinta,  quarenta minutos e pasme-se, cinquenta minutos atrasados!! Se alguém passeasse o cãozinho por aquelas bandas àquela hora nunca  imaginaria que aquelas “respeitosas pessoas” se dirigiam para uma reunião pública camarária!

Evidentemente que, qualquer cidadão, consciente e impregnado do seu sentido cívico que, na dita assembleia pretendesse usar do uso da palavra a que tem direito por lei, teria de lá estar para fazer a inscrição para exercer esse seu direito, aproximadamente meia hora antes, ou seja, por volta das 20h. Mas eventualmente para esse cidadão, os nossos serviços públicos já lhe devem ter desenvolvido um “calo” e portanto esperar pelos seus representantes camarários terá sido mais uma experiência a contar futuramente aos netos, ainda que, convenhamos, nada agradável.

Mas entremos então nessa “catedral” do exercício do poder local e pasmemo-nos, mais uma vez, com a visão perfeitamente surrealista do comportamento dos nossos “políticos”, cidadãos responsáveis em que, mau grado a enorme abstenção lamentável com que mais uma vez nos deparámos no último acto eleitoral, depositámos as nossas esperanças e a confiança de que guiariam os destinos das nossas comunidades. Por instantes pensei que tinha voltado à escola, em que bandos de adolescentes, cujos comportamentos irreverentes e desculpáveis dadas as suas tenras idades, se debatem furiosamente com telemóveis, i-pods ou outros que tais, durante os trabalhos e, como se isso ainda não bastasse, mastigando pastilha elástica de forma perfeitamente convicta e viciosa numa demonstração da perfeita agilidade a que os seus músculos estão habituados. Talvez que nunca ninguém lhes tivesse ensinado algumas regras da boa educação ou do respeito pelos outros, ou porventura talvez ainda não se tenham visto em nenhuma filmagem que daria, estou convicta, uma tragicomédia digna daqueles filmes portugueses da década de cinquenta que tanto apreciamos. Lembrando-me daquele ditado “quando se canta não se assobia”, intrigava-me saber e perceber como é que aqueles senhores e senhoras poderiam acompanhar de forma consciente e responsável as intervenções e os trabalhos que se iam desenrolando enquanto se entregavam a tão insanas tarefas.

Fosse este apenas o motivo da minha revolta e indignação perante tais comportamentos e poderia hoje estar aqui a dizer que a minha noite tinha sido compensadora porque certamente encontraria na falta de valores e de educação uma desculpa, esfarrapada é certo, para aquilo que referi.

Mas não, desenganemo-nos, a minha ingenuidade e a profunda crença de que a democracia é feita por pessoas que se debatem de forma séria pela mesma, não me tinha preparado para o que se seguiu. A versão pós-eleições dos “tesourinhos deprimentes”. Só que, agora com consequências muito mais gravosas uma vez que eles estão eleitos. Senão vejamos como decorreram os trabalhos:

Fosse o orador um qualquer representante de um partido da “oposição”, independentemente do assunto ou da moção que apresentasse, na bancada da “maioria governativa” havia “liberdade” para tudo, desde o dormitar, levantar-se e ir à rua, conversar com o parceiro do lado, por em dia o mail, consultar a net, mandar sms, enfim, um sem número de actos dignos de registo. Suspeito que até se devem ter contado algumas anedotas uma vez que ouvi gargalhadas e não quero pensar que seriam motivadas pelas palavras que eram proferidas na altura por autarcas do/s partido/s da oposição. Se bem que, houve algumas expressões que me deixaram (mais uma vez a minha ingenuidade!) perplexa porque, me pareciam quase de escárnio… Se eu fosse mais mordaz, quase que me atreveria a dizer que estava perante uma total postura de falta de respeito e consideração pelo orador da altura.

 Curiosamente, quando o orador era um representante da bancada da maioria, e portanto na governação, verificava-se uma total transfiguração daqueles mesmos personagens que agora seguiam, aparentemente com respeito e atenção, a palavra do/s seu/s companheiros partidários.

Em defesa dos menos representados, ou seja, da bancada da oposição, devo dizer que, de facto cumpriram com honra as funções que lhe foram confiadas. Podem até não conseguir reproduzir o que ouviram, tarefa hercúlea e portanto impossível, mas demonstraram um sentido de democracia que me faz pensar que não devo desistir.

Mas não se pense que, por ser simpatizante de um partido da oposição, estou a ser sectária, porque o público, vulgar cidadão ou freguês que na dita assembleia entendeu ser seu dever participar e colocar questões na convicção de que teria uma resposta ou que estaria a contribuir para ajudar na resolução dos problemas que nos afectam a todos, saiu de lá, no mínimo, desiludido, já para não dizer revoltado. Senão veja-se:

- quando alguém referiu que na rua X as obras duram há 10 meses, a resposta foi: não o senhor está enganado, na rua Y as obras não duram há 10 meses. Não só é verdade, como é brilhante a reviravolta dada;


- à sugestão de lugares de estacionamento cativos, com duração limitada em frente à farmácia, a resposta foi, mais uma vez perfeitamente clara e esclarecedora: – minha senhora a comissão que me aconselha alertou-me para o perigo de abrir precedentes. Se a farmácia quer um lugar para si, a seguir todos os outros tipos de comércio também exigem e onde vamos parar? Atrevo-me aqui a dizer que os membros da referida comissão devem ter sido influenciados por aquela cena brilhante de um filme português, mais tarde retratada num anúncio, em que um casal pede um pastelinho. Pretender comparar o serviço prestado por uma farmácia ao serviço prestado por uma papelaria, café, tasca, restaurante, banco ou mini-mercado é demonstrativo, primeiro de uma saúde de ferro dos membros da comissão e da pessoa que assessoram, segundo de uma enorme falta de discernimento de todos e terceiro de uma falta de consideração e respeito pelas pessoas que, porque se encontram doentes e fragilizadas, têm de ir à farmácia. Que eu saiba, ainda não temos por hábito ocupar os nossos tempos livres e de ócio em deslocações à farmácia…

- à pergunta de porque é que o pavimento da rua de Cascais abateu, a resposta ficou gravada, de forma perfeitamente clara e transparente  na minha cabeça: “ a rua abateu porque houve migração dos finos por desconhecimento da existência de uma ribeira subterrânea”. Ora, para quem não sabe, os finos são as areias, até aqui nada de novo, e portanto é normal e qualquer estudante de Geologia saberá que as partículas serão tão mais facilmente arrastadas pela água e pelo vento quanto menor for o seu calibre, vulgo tamanho. Portanto é de esperar que, havendo ribeiras subterrâneas, alimentadas obviamente por cursos de água superficiais cujo caudal aumenta na época das chuvas … elas arrastem as areias que encontrem no seu caminho!!! E, sem areia a suportar o asfalto, o pavimento cedeu. Lógico!! Ficou assim explicado o abatimento da estrada. Claro como a água!! O que me deixou profundamente perplexa foram três coisas: que a companhia que fez as obras não soubesse que havia ribeiras subterrâneas, só explicado pela falta de um estudo feito por especialistas, leiam-se geólogos, aos terrenos antes das obras, o que indicia, na minha modesta opinião, incompetência, aliás salientada numa das moções apresentadas naquele dia e contra a qual o senhor presidente se insurgiu de forma profundamente acesa, ainda que depois, sem o querer (e saber) tenha acabado por confirmar … ; que neste tipo de obras não sejam obrigatórios esses estudos prévios do terreno – a não ser que se considere que, por já existir estrada, se pode esburacar para os lados ou em profundidade, retirar rocha sã (pedras) sem qualquer problema porque se voltam a encher os buracos com areia e cobrir com asfalto e por fim que a fiscalização nunca tenha dado conta de que o solo que se escavava e retirava estaria “ligeiramente humedecido”, a não ser que tivessem rebentado alguma conduta e, aí sim, estavam desculpados e perceber-se-ia tudo.

Por fim e para acabar, porque já me alonguei nesta minha dissertação, deixo-vos com a cereja no topo do bolo: toda e qualquer moção apresentada à votação por um partido da oposição era invariável e inevitavelmente rejeitada. Fácil de perceber. A maioria detém 19 votos e a oposição 18. Contas fáceis e limpinhas, 19 é maior que 18!! O que se não percebe bem é isto e tenho esperança que alguém me ajude a perceber:

- uma “moção de melhoria” a uma “proposta do executivo camarário” é simplesmente rejeitada apenas porque é apresentada pela oposição – 19 votos contra e tem ainda direito a um comentário absolutamente transcendente “uma proposta de melhoria não pode ser uma melhoria porque não foi apresentada pela maioria”. A democracia no seu melhor!!

- uma proposta da oposição a “pretender” faça-se cumprir a lei é também ela rejeitada. Pasme-se!!! Motivo?? Incompreensível para mim, será que não ouviram, não leram ou será outra coisa qualquer que me escapa…

Considero que assistir a uma Assembleia Municipal é um ato de cidadania por que deveríamos todos passar a bem da democracia. Uma experiência inesquecível e marcante, um segundo renascimento em que, tenho a certeza, novos horizontes se abririam.



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